documentário "colonia e vilões" (1978)
“Para o povo da Madeira” é a formula com que se inicia e termina o documentário “colonia e Vilões” realizado por Leonel Brito entre 1976/77, o qual teve a antestreia a 16/05/1978 na sociedade Portuguesa de autores, registando-se a particularidade de nunca ter sido visualizado nos cinemas da Ilha da Madeira, local onde foi realizado. O documentário ganhou uma Menção Honrosa no Festival de Cinema de Santarém.
Versando alguns momentos importantes da História da Madeira num entrelaçar de vozes entre a História oficial e as histórias do povo, o documentário procura traçar uma análise histórica, social e económica da Ilha da Madeira, dando voz aos homens e às mulheres que viveram em silêncio durante séculos de opressão materializada pelo contrato de colonia. As histórias são contadas por uma geração que viveu a experiência da colonia, mantida pela ditadura do Estado Novo, e que procura a esperança depois da revolução do 25 de Abril, focando vários momentos importantes do devir histórico
A definição da estrutura social e económica da Ilha da Madeira ficou traçada desde os tempos do povoamento. As Ilhas da Madeira e porto santo foram divididas em três capitanias atribuídas a três capitães donatário, Bartolomeu Dias, Tristão Vaz Teixeira e Gonçalves Zarco. Estes, por sua vez, dividiram as terras entre os grandes senhores que as arrendaram aos colonos a troco da divisão dos proventos da terra entre o colono e o seu senhor.
Os contratos de colonia apesar de terem tido resultado nos primórdios da colonização, quando a elevada produtividade dos terrenos permitia manter alguma equidade no processo, irão, porém, depois originar profundas divisões socioeconómicas no tecido social da Ilha. O “vilão” trabalhava para alimentar e enriquecer o seu senhor, pagando a sua parte no contrato de colonia, sob pena de ser expulso das terras, ao mesmo tempo que lutava para poder garantir o sustento da sua família. As condições de produção do colono deterioraram-se ao longo do tempo devido ao desgaste das terras e aos maus anos agrícolas. A única opção para o vilão fugir da miséria e da condição de alienação em que se encontrava foi a emigração, sobretudo para o Brasil, Venezuela e África do Sul.
Os tempos mudam, os ciclos económicos e sociais sucedem-se, a Cultura da cana do açúcar dá lugar ao vinho. Os ingleses tornam-se os senhores da Ilha da Madeira. A monarquia caiu e a república foi implantada e acabou por vigorar a ditadura do Estado Novo. O único denominador comum entre todos estes regimes é a condição esclavagista dos colonos, pagando o tributo diário aos morgados.
O povo paciente enfim revolta-se nos episódios conhecidos como a Revolta da Farinha (1931) e a Revolta da Água na Ponta de Sol (1962), tendo sido todas violentamente reprimidas pelas forças do Estado Novo. A ditadura salazarista não olha o povo na miséria, antes pactua com as elites no sentido de manter o camponês aprisionado à sua condição histórica.
Pelos meados dos anos sessenta, a Madeira começou a ser referência no mercado turístico mundial. A construção de hotéis e moradias luxuosas contrastava com uma população predominantemente rural, sem escolas e acesso à educação e aos cuidados de saúde. O desenvolvimento económico da Ilha faz-se lentamente.
Em 1974, dá-se a revolução dos cravos, e para o seio da Ilha convergem várias forças que irão definir o futuro dos madeirenses. As forças conservadoras e socialistas procuram encontrar o seu espaço na vida democrática no arquipélago da Madeira. Na pequena localidade da Ribeira Seca, Machico, liderada pelo seu pároco, o Padre Martins torna-se o rosto da luta popular pelos ideais de Abril, em guerra aberta com o bispo D. Francisco santana que será uma das figuras tutelares e doutrinárias da transição democrática na Ilha da Madeira. Aos poucos o “vilão” procura olhar o senhor nos olhos, e reivindicar um trabalho digno e justo. Que cada um sobreviva com o suor do seu trabalho.
Com imagens dos vales verdejantes da Ilha pontuada com extratos dos raríssimos filmes de Manuel Luíz Vieira, “colonia e Vilões”, o documentário produzido pela mestria de Leonel Brito, oferece ao espetador uma visão única e original sobre a História dos madeirenses, tendo como ator principal do documentário o vilão, pilar humano que lançou as fundações da Ilha da Madeira, e que, desagrilhoado da colonia, passou a poder ter voz na construção do seu futuro.
https://vimeo.com/115476901Ficha Técnica (por ordem no documentário)
Texto: Jornal Caseiro Rogério Rodrigues
Voz: Márcia Breia e Luís Alves
Realização: Leonel Brito
Montagem: Manuela Moura
Direção de Fotografia: Elso Roque
Assistente de Imagem: Pedro Efe
Eletricista: Amadeu Lomar
Som: João Diogo e Carlos Alberto
Sonoplastia: Raúl Ferrão
Produtor Executivo: Cremilde Mourão, César O. Monteiro e Ana Paula Veríssimo
Laboratório de Imagem: Tóbis Portugal
Estúdio de Som: Valentim de Carvalho e Nacional Filmes
Produção: Cinequanon
Apoio Financeiro: IPC – Instituto Português de Cinema
Leonel Brito - Produtor e realizador de cinema e televisão, editor e fotógrafo. Nasceu em Moncorvo em 1941. Licenciou-se em engenharia agrária, mas prosseguiu a carreira no cinema e televisão, dedicando-se ao cineclubismo. Em 1972, foi aluno do primeiro curso de cinema e fotografia da AR.CO – Arte e Comunicação. Foi diretor do ABC Cine Clube e Cine Clube Imagem e cofundador da cooperativa Cinequanon, em 1974. Exerceu, em 1976, as funções de representante da ACOBAC, tendo sido conselheiro de David Mourão Ferreira no secretariado do estado da Cultura.
Na sua longa e vasta carreira cinematográfica e na televisão, produziu e realizou inúmeros filmes e séries, dos quais avulta, “Caldo de Pedra”, com textos de Luís de Sttau Monteiro, “Portugal de Faca e Garfo”, “ Freiras de Portugal” e as séries “Do Paleolítico ao Romano” e “Romanos Entre Nós”.
Realizou documentários premiados que marcaram o panorama do cinema português, tais como, “Gente do Norte”, “colonia e Vilões”, “Guerra Junqueiro” e dois filmes biográficos sobre Félix Ribeiro.
Leonel Brito participou em festivais nacionais e internacionais de grande relevo, tais como a mostra de cinema de português em Poitier, no Ciclo de Cinema Português do Festival de Cannes e nas mostras de cinema Português na Alemanha, Guiné, Angola e Brasil.
Realizou trabalhos como produtor discográfico, produzindo o disco “José Mesquita Canta poetas de Coimbra”, a banda sonora do filme de António de Macedo “Princípio de Sabedoria" e a coletânea de seis discos “Tempo de Coimbra” o CD de homenagem a José Afonso da Câmara Municipal de Coimbra.
Dedicou-se também à fotografia e jornalismo produzindo vários livros de gastronomia, A Cozinha Descoberta pelos Portugueses, O Alentejo e O Minho, editados pelo Círculo de Leitores. Publicou ainda Uma Patine Milenar, Comida de Cheiros (Edição Câmara Municipal de Castelo de Vide), Alentejo a Caça no Prato, edição Enasel e Comeres de Azeite, um edição da A.D.R.A.L.
Em 1984, Leonel Brito venceu com Fernando Dacosta o 1º Grande Prémio de Reportagem de 84, pelo livro Os Retornados Estão a Transformar o País. Fundou vários periódicos, o “Ribatejo” (1984), “Campomaior” (1991) e o “ZM- Semanário da Zona dos Mármores”(1993).
Leonel Brito foi também o responsável pela descoberta dos filmes de Aurélio Paz dos Reis, primeiro cineasta português.
Bibliog.: http://lelodemoncorvo.blogspot.pt/2011/03/torre-de-moncorvo-escaparate-xi.html consultado a 21/12/2015. http://www.cinept.ubi.pt/pt/filme/1159/colonia+e+Vil%C3%B5es consulado a 21/12/2015.