arquitetura do turismo de lazer

26 Jan 2021 por "Rui Carita"
Arquitetura Património História Económica e Social

A arquitetura do turismo de lazer levou algum tempo a implantar-se na Madeira, tendo-se recorrido, ao longo do séc. XIX, a habitações senhoriais urbanas e periurbanas, as chamadas quintas de aluguer, sumariamente adaptadas às novas funções, como ocorrera anteriormente com o turismo terapêutico. O quase domínio absoluto do turismo de origem britânica e dos empresários dessa nacionalidade levou a que a arquitetura do turismo de lazer, na Madeira, não ganhasse características especificamente locais. Salvo na proliferação dos jardins envolventes e no aproveitamento dos declives para miradouros, embora utilizando mão-de-obra local e um saber artesanal ancestral, os modelos foram, essencialmente, importados dos mercados internacionais.

Palavras-chave: arquitetura civil; arquitetura do turismo terapêutico; guias turísticos; miradouros; quintas românticas madeirenses; urbanismo.

Até meados do séc. XIX, não é possível encontrar, na Madeira, o estabelecimento efetivo de serviços e de instalações de habitação temporária onde, para além da dormida, fosse prestada aos utentes toda uma série de serviços de certa sofisticação, como posteriormente veio a acontecer (turismo). A apologia do ameno clima madeirense, especialmente vocacionado para o tratamento de doenças pulmonares, que corria pela Europa desde os finais do séc. XVIII, levou a que, especialmente no inverno, a Madeira fosse procurada pelas classes mais abastadas, na busca de um melhor clima e da almejada cura (arquitetura do turismo Terapêutico). Escritores e poetas, assim como publicistas em geral (literatura de viagens), divulgaram nestes anos o nome da Madeira como sanatório natural, enaltecendo a temperatura e o espaço, propício ao lazer e à contemplação da natureza, convidando os doentes pulmonares dos rigorosos climas europeus a uma viagem reparadora à Ilha.

As condições do coberto vegetal, a calma e a comodidade de que poderiam usufruir os doentes colocavam a Madeira muito à frente de outros destinos, como a maioria das cidades portuárias italianas, francesas e espanholas do Mediterrâneo, todas com uma vida muito agitada de negócios e de trânsito. Acrescia ainda a pureza e a suavidade do ar, assim como a quase constância da temperatura, quer de dia quer de noite. Estas temperaturas também existiam nas costas do Norte de África, e.g. no Cairo, mas a formação contínua de poeiras era uma desvantagem para os tuberculosos. Outra vantagem da Ilha era a quase inexistência de animais perigosos para os doentes, havendo uma muito baixa incidência, e.g., de mosquitos, pelo que os doentes nem necessitavam de cortinas nas camas. Havendo toda uma ampla encosta a proteger a cidade do Funchal, o doente poderia, inclusivamente, escolher a altitude ideal para se instalar, conforme necessitasse de ar mais quente ou mais fresco e conforme fosse inverno ou verão, embora a alteração da temperatura entre uma e outra estação fosse mínima.

Em meados do séc. XIX, os hábitos europeus foram mudando progressivamente e, consequentemente, o tipo de viagens e de lazer das sociedades mais abastadas. Se na primeira metade do século, o turismo para a Madeira era essencialmente terapêutico, a presença de importantes figuras da mais alta aristocracia europeia foi aproveitada para a criação de uma nova imagem para a Ilha. Os mecanismos de divulgação da Madeira, essencialmente direcionados para os doentes, passam a salientar outros aspetos, como um certo exotismo da paisagem, um clima mediterrânico em pleno Atlântico, uma excelente temperatura da água do mar, e uma vida urbana cosmopolita. A mudança é patente, entre outros exemplos, no título da obra de Edward Vernon harcourt (1825-1891), A Sketch of Madeira: Containing Information for the Traveller, or Invalid Visitor (1851), com litografias da autoria de sua mulher, lady Susan (1824-1894) (harcourt, lady Susan Harriet Vernon), filha do 2.º conde de Sheffield (1802-1876), que, no ano anterior, já havia editado um álbum de litografias sobre a Madeira (Litografias e litógrafos). A primazia já é dada assim ao “traveller” [viajante] e, em segunda prioridade, ao “invalid visitor” [visitante inválido].

Os anos 80 marcam outra forma de visitar a Madeira, muito mais rápida, deixando assim de tratar-se de meses para se tratar de semanas e, posteriormente, somente de alguns dias, o que é compensado por um número muito maior de visitantes e faz crescer uma série de serviços de apoio a essas rápidas estadias. Na década seguinte começam a ser editados guias turísticos ilustrados por fotografias (Guias turísticos), progressivamente alargados a informações económicas, sociais, políticas e artísticas. O desenvolvimento turístico e portuário da baía do Funchal constituiu um instrumento de novas políticas sociais, envolvendo grandes investimentos públicos e privados na área dos transportes, do saneamento básico, das redes de distribuição de água ao domicílio, da iluminação pública e até no arranjo urbanístico da baixa da cidade, com a construção de jardins e de parques. Esta transformação teria o seu ponto alto já nos inícios do séc. XX, com a encomenda ao arquiteto Miguel ventura terra (1866-1919), em 1913, de um plano de urbanização para a cidade do Funchal (urbanismo). Se, numa primeira fase, as obras tinham sido pensadas em função dos visitantes estrangeiros, a operação acabou por beneficiar toda a população residente, produzindo serviços, criando novas oportunidades de emprego, mudando mentalidades e reformulando radicalmente a estrutura urbana da cidade, virando-a, ainda mais, para o mar.

Os primórdios da instalação turística

Nas primeiras décadas do séc. XIX, os viajantes ainda se queixam da dificuldade dos alojamentos, como refere em 1826 Charles Heineken, que começara por visitar a Ilha como doente, acabando por se fixar. Conforme escreve por sua informação Alfred Lyall (1796-1865), por esses anos não existiriam mais que 4 boarding-houses, ou seja, edifícios urbanos para instalação temporária, onde os enfermos e as famílias se pudessem acomodar, embora tal fosse colmatado, pontualmente, pelo aluguer de outras casas na periferia, pertencentes a famílias inglesas residentes e a madeirenses (quintas românticas madeirenses). Referem estes autores, no entanto, que não se poderia esperar encontrar na Madeira o amplo leque de escolha e de comodidades que já era possível encontrar no Sul de Inglaterra.

Na década seguinte, o publicista John Driver ainda se queixa de que, embora a dimensão da cidade já fosse outra, não se encontravam hotéis nem cafés, o que já era comum nas congéneres cidades europeias da dimensão do Funchal. Este autor refere várias casas para aluguer, ou partes de casas, dizendo que pertenciam quase todas ao perímetro urbano, e que eram quase todas propriedade de residentes britânicos. Esta comunidade que se dedicava essencialmente ao comércio iniciava, então, um negócio sazonal paralelo que não pararia de crescer nos anos seguintes. O aluguer era geralmente feito à semana e incluía, para além do quarto, uma sala de estar, o mobiliário e o equipamento, onde se incluía, curiosamente, algumas vezes uma garrafeira com vinho da Madeira, embora a lavagem de roupas fosse paga como um extra. Em 1840, William White Cooper (1816-1886), no Invalid’s Guide to Madeira, refere já a existência de um pequeno hotel, relacionando os vários tipos de alojamento possíveis na área do Funchal: as casas de família, ou quintas de aluguer; as casas de aluguer; e os hotéis familiares. As primeiras eram quintas nos arredores da cidade e as restantes, residências urbanas adaptadas, diferenciando-se, essencialmente, pelo serviço de refeições: numas eram servidas aos hóspedes e à família, mas separadamente, noutras já havia uma sala de refeições comum onde todos os hóspedes almoçavam e jantavam.

Ao longo da déc. de 40 começam a aparecer referências à existência mais efetiva destas instalações, mas longe de conseguirem responder à procura, como se queixa, em 1840, sir William Robert Wills Wilde (1815-1876), pai de Óscar Wilde (1854-1900). Na sua descrição da passagem pela Madeira, entre 1837 e 1839, considera, inclusivamente, ser muito desagradável que os comerciantes britânicos ali radicados não tivessem, até então, preenchido essa lacuna, construindo pequenas habitações minimamente confortáveis, até porque a procura já era exponencial. Somente por volta de 1852, lady Emmeline Stuart Wortley (1806-1855) refere ter-se instalado no Hotel Miles, na R. da Carreira, e que já possuía as características de um pequeno hotel, embora ainda não fosse uma construção de raiz, mas a adaptação de uma residência senhorial urbana a essa função, como aliás vai acontecer à grande maioria dos restantes hotéis. O encanto da experiente viajante inglesa, entretanto, foi para a magnífica vista da janela do seu quarto e do de sua filha, sobre a montanha por detrás da cidade, e para o pitoresco dos terraços, torres e balcões das casas vizinhas, com os seus pequenos jardins com bananeiras, laranjeiras e as mais variadas plantas e flores.

A descrição do que eram estas antigas residências urbanas adaptadas para hotel pode ser conhecida através do Diário de 1853 de Isabella Hurst França (1795-1880), filha do arquiteto Aaron Hurst. A autora tinha-se casado tardiamente com o morgado madeirense José Henrique de França (1802-1886) e, perante a perspetiva de extinção dos morgadios na Madeira (morgadios), o casal foi à Ilha vender essas propriedades. Instalaram-se numa hospedaria da Rua da Carreira, que pertencera à viúva do poeta e político Manuel Pimenta de Aguiar (1765-1832), Micaela Antónia de Sá Bettencourt, e que a alugara, em 1831, a uma inglesa, Isabel French, que passou a geri-la. Em 1839, o contrato de aluguer foi feito com o hoteleiro Jacinto Hannibal de Freitas, talvez um dos mais antigos hoteleiros da Madeira, que possuía outros estabelecimentos similares, como na R. das Hortas, e este manteve Isabel French à frente do estabelecimento até 1863.

Isabella de França descreveria a sensação que havia tido ao passear pelas ruas mais altas e ao observar a vista das janelas da residência onde estava hospedada, no final da R. da Carreira, dizendo que “a cidade do Funchal é muito maior do que eu esperava: será a terceira das terras portuguesas, depois de Lisboa e Porto. Estende-se por mais de uma milha ao longo da costa e sobe a considerável distância até aos montes” (FRANÇA, 1970, 56). Isabella refere que chegaram de carro de bois a um pátio coberto interior, estruturante do edifício, do qual partia uma escada que, circundando o pátio, dava acesso aos quartos dos vários pisos. O pátio calcetado era coberto por claraboia, sendo os quartos nos andares superiores e na torre, onde o casal ficou, e sendo o piso térreo destinado a arrecadações e serviços. Se a residencial de início a encantou, encostada à antiga muralha da cidade e sob a fortaleza do Pico, quando chegou a informação do falecimento da Rainha D. Maria II (1819-1853) e se iniciaram os três dias de salvas de luto, em que os canhões do Pico e do ilhéu disparavam de 5 em 5 minutos, dia e noite, calculando a autora terem sido feitos 1440 disparos, a situação terá sido dramática.

Data dos anos seguintes a passagem de hospedarias como esta à designação de hotel, registando-se em 1865, como mais os caros, o Hotel Jervis e o Hotel Luscomb. Em 1863, registam-se as hospedarias Reids, na R. do Mercado de S. João, depois denominado Royal Edimburgo Hotel; Neal, na R. do Pinheiro; Miles, na R. da Laranjeira (que havia de ser denominada R. do Carmo); e o Hotel Hollway, na entrada da cidade (Entrada da Cidade). Em 1864, registam-se como hotéis o Giuliet e o Freitas, sem indicação da rua, o Hotel Jervis, na R. da Carreira, e o Hotel Francês, na entrada da cidade. Em 1865, registam-se ainda o Hotel Luscomb, na R. da Carreira e os hotéis Pios, Dressen, J. Payne e Madeira, sem indicação da localização. Em 1866, registam-se os hotéis Duhset e Bella Vista, também sem mais indicação, embora o último ficasse a montante do Hospício, na margem da ribeira de S. João, com acesso pela R. do Jasmineiro, edifício depois ocupado pelo Seminário Diocesano que, graças ao parque envolvente e a outras caraterísticas, se veio a tornar bastante conhecido e dos mais fotografados.

Nestes quase finais de século, no entanto, não estamos no domínio de uma arquitetura do turismo de lazer, mas da adaptação de edifícios a essas funções. César Augusto Mourão Pitta (1837-1907), então agente consular de França na Madeira, no seu Madère, Station Medicale Fixe (1889), regista a existência de sete hotéis ingleses de primeira ordem, quatro dos quais pertencentes aos irmãos Reid, três portugueses e duas pensões, uma inglesa e outra portuguesa. No entanto, só pouco depois dessa data, em 1891, para efeitos de cobrança de taxas, se diferenciariam os hotéis das hospedarias, sendo comum classificar os ingleses numa categoria superior à dos portugueses. Ellen Taylor, entretanto, em 1882, não recomendava aos seus leitores nenhum dos hotéis portugueses, embora os irmãos Adriano (1862-1906) e Aníbal Trigo (1865-1944), no seu Roteiro e Guia do Funchal, de 1910, mencionassem o Hotel Universal, situado na esquina do antigo passeio público para a Pç. da Sé, como sendo “um hotel de 2.ª ordem” recomendável “a todas as pessoas que desejem viver comodamente na cidade sem grande despesa” (MATOS, 2013, 173)

Saliente-se, entretanto, a dificuldade de estabelecer as designações destas iniciais unidades hoteleiras, pois nem sempre os nomes de registo correspondiam aos nomes que se utilizavam correntemente, mudando de acordo com os proprietários e com as firmas e sociedades a que pertenciam, mas, por vezes, mantendo os antigos nomes, em oposição aos do registo, e utilizando os nomes da localização em relação às acessibilidades, etc. Entre muitos casos, e.g., numa das antigas fotografias do Jardim Municipal (Jardim Municipal), muito provavelmente ainda dos finais do séc. XIX, tirada por João Francisco Camacho (1833-1898) ou pelo irmão Augusto Maria Camacho (1838-1927) (Fotografia), aparece sobre o prédio onde depois se situou o restaurante Os Combatentes, na esquina das ruas de Roberto Ivens e S. Francisco, a indicação de Hotel Rosa, designação que não encontramos nos registos de licença, correspondendo à residencial que, em 1893 e em 1895, se encontrava em nome dos herdeiros de José Fernandes Rosa.

A cadeia Reid

A história da arquitetura hoteleira da Madeira e, inclusivamente do próprio turismo, são indissociáveis do nome Reid, ligado ao mais prestigiado hotel da Região e o primeiro construído efetivamente de raiz, nos finais do séc. XIX, dado que os anteriores utilizaram sempre construções preexistentes. O escocês William Reid (1822-1888) teria passado pela Madeira em 1836, então com 14 anos, mas parece só se ter fixado na Ilha por volta de 1844. Quarenta anos depois, com seus filhos William e Alfred Reid, teriam adquirido os mais importantes estabelecimentos hoteleiros do Funchal e preparava-se para construir de raiz o Reid’s New Hotel, depois Reid’s Palace Hotel (Reid’s Palace Hotel), eclipsando todas as restantes unidades, que passariam a hotéis de segunda categoria. O fluxo de visitantes e de passageiros em trânsito aumentava constantemente com os novos navios a vapor, que faziam a viagem para o Funchal, e.g., a partir de Liverpool ou de Southampton, em cinco dias, e de Lisboa em dois, havendo carreiras regulares desses três portos. Igualmente dos portos de Bordéus, Havre, Antuérpia ou Hamburgo era possível ter acesso à Madeira em carreiras mais ou menos regulares, com maior rapidez e por menor preço. Em 1874, ainda se montavam as comunicações telegráficas com o continente, através de cabo submarino, e tudo concorria para que a Ilha passasse a possuir capacidades para se equipar, dentro das suas dimensões, com um dos melhores parques hoteleiros europeus.

Para a análise da arquitetura dos hotéis Royal Edinburgh e German Hotel, o antigo Schlaaff, que foram demolidos, teremos de recorrer ao amplo acervo cartográfico e fotográfico da Madeira, tal como às descrições de alguns dos seus hóspedes; no entanto, nem num caso nem no outro existem especiais novidades arquitetónicas, uma vez que se tratava de adaptações de construções já existentes. Deixando o antigo German Hotel para a secção seguinte, por se enquadrar no tema dos interesses alemães que a comunidade britânica soube, progressivamente, eliminar, importa referir que, tal como o Reid's Monte, noutro contexto, o interesse do Royal Edinburgh Hotel era muito reduzido. Instalado numa antiga residência senhorial no quarteirão a poente do Teatro Municipal (Teatro Municipal), sendo muito anterior a este, encontrava-se, na déc. de 80 do séc. XIX, ainda ligado ao então mercado de S. João (Mercados). Possuía um jardim a norte, que veio a desaparecer com a construção da Av. Arriaga, e, elevando-se sobre a R. das Fontes, uma muito boa relação com a baía do Funchal.

O nome deste hotel adveio do patrocínio que lhe foi dado pelo duque de Edimburgo, título criado pela Rainha Vitória (1819-1901), em 1866, a favor do seu quarto filho, o príncipe Alfredo de Sax-Coburgo-Gota (1844-1900), que ao comando da fragata HMS Galatea, passara pelo Funchal em 1867. Se alguns utentes, como a jornalista norte-americana Charlotte Alice Baker (1833-1909), em 1882, embora reconhecendo que o pomposo nome estava longe de corresponder ao edifício, especialmente no seu aspeto exterior, consideravam que tal era compensado pelo agradável jardim murado por pedra de tufo de lava e se encantavam com a vista da sua varanda sobre o mar e com o silêncio noturno da cidade, outros utentes eram mais severos na sua apreciação. Um ano depois, e.g., o controverso sir Richard Francis Burton (1821-1890) queixava-se da informalidade do estabelecimento, que considerava ser mais próximo de uma taberna que de um hotel, com maus cheiros e pessoas que não seriam especialmente do seu agrado, o que também não deixa de ser interessante face à vida aventurosa e desbragada que este antigo militar e agente secreto havia tido. Em causa, por certo, estaria a qualidade do ar naquela área, como refere o médico Karl Mittermaier (1787-1867), que escreveu que os doentes não deveriam ali ficar, pois seriam obrigados a respirar “as poeiras de um armazém de carvão que lhe fica perto” (MATOS, 2015, 281-282).

O Royal Edinburgh Hotel foi gerido pessoalmente pelo patriarca da família Reid, tendo sido um edifício de planta retangular com dois pisos, inserido num lote ajardinado virado para norte, como consta das várias plantas da cidade desses anos. O andar nobre tinha sete janelas de sacada de recorte clássico, dando sobre a R. das Fontes, então arborizada, como se parece verificar nas fotografias da época. Na propaganda que os Reid faziam da sua cadeia de hotéis, no entanto, este hotel quase nunca é apresentado em imagem, colocando-se sempre em destaque só as do santa clara e do Carmo. Em 1892, quando publicam o seu guia turístico da Madeira (1892), o seu nome já não consta, devendo assim ter encerrado antes dessa altura, conjetura que pode ser suportada pelo falecimento, em 1888, do patriarca da família, que o gerira pessoalmente.

O Carmo Hotel, na rua do mesmo nome, cujo edifício subsistia nos começos do século XXI, embora profundamente alterado, era anteriormente propriedade da família Miles e foi adquirido nos finais da déc de 70 do séc. XIX pelos Reid. O portão lateral de acesso ao logradouro, em ferro forjado, ostenta a data de 1836, data provável de uma das suas últimas reconstruções. Apresenta à rua uma fachada clássica da arquitetura senhorial madeirense, com um piso térreo bastante alto e duas janelas laterais a enquadrar a porta principal encimada por lintel com balanço, um andar intermédio para serviços e, a servir de balanço às suas cinco janelas, a sacada da varanda do andar nobre, com o pormenor de ser corrida, apresentando as janelas remates por cornija relevada. O edifício, no entanto, era bastante profundo e complexo, devendo ter tido várias campanhas de obras, com uma larga e deselegante torre central de mais de dois pisos e as cozinhas no extremo noroeste do conjunto edificado. Numa das campanhas de obras o conjunto foi dotado de um corredor ao longo do piso superior, o que teria facilitado a sua adaptação a hotel, embora o tamanho das divisões fosse muito díspar. Os quartos, mesmo assim, tiveram fama de ser dos maiores e mais confortáveis da cidade.

Este hotel teve um importante jardim – onde havia inclusivamente uma jaula com macacos – que contudo, nas fotos dos finais do séc. XIX ou inícios do XX, já não parece ter esse protagonismo, tal como teve um court de ténis, provavelmente o primeiro a ser instalado num hotel do Funchal e, no rés-do-chão, um restaurante aberto ao público. Ellen Taylor, em 1882, ainda o designando por Miles’s Hotel, regista-o como tendo sido durante muitos anos o melhor hotel do Funchal, não só pelo conforto, limpeza e atenção que dispensava aos hóspedes, como pela espaçosa varanda, torre-avista-navios, grande jardim, etc. Pelas palavras da norte-americana, no entanto, parece que nessa data já não era assim, tendo encerrando na segunda década do séc. XX e sido ocupado, pouco depois, pela sede do Grémio dos Industriais de Bordados da Madeira. O conjunto foi, em 2015, objeto de reabilitação para complexo habitacional, mas descaraterizado pelo aumento da área de construção envolvente.

O maior hotel do Funchal, nas últimas décadas do séc. XIX, foi o santa clara Hotel, edifício adquirido pela família Reid em 1867 e objeto de inúmeras campanhas de obras. Ellen Taylor considera-o o “hotel par excellence” (TAYLOR, 1882, 15), o que não admira, uma vez que foi aí que se instalou, com o seu piano, na sua visita ao Funchal de 1882, tendo depois registado que o conjunto edificado seria muito complexo, com várias entradas independentes para os andares. O conjunto deve ter nascido de uma antiga residência senhorial dos finais do séc. XVIII, assente sobre uma forte sapata com jorramento, quase de feição militar, o que obrigou a construir um complexo piso de serviços nesse embasamento, inclusivamente rematado por cornija, e sobre o qual assentam os 2 pisos nobres, por sua vez igualmente rematados por forte cornija. No início do séc. XXI, esse conjunto ainda se articulava, mas mal, com outro corpo para nascente, sobre o qual existia uma torre trapezoidal, uma singularidade na arquitetura madeirense, e à frente do qual cresceu outro corpo. Ainda existia outro, quase perpendicular a estes dois, tudo indiciando diferentes etapas de construção.

Ao nível da fachada principal do santa clara Hotel, com acesso pela Trav. das Capuchinhas e pela Calç. de santa clara – se é que o termo “fachada principal” se aplica ao conjunto –, para poente, ainda foi acrescentado outro corpo, sobre o qual assenta uma generosa varanda, com um alpendre sustentado por uma esbelta estrutura de ferro forjado. A vista da varanda, assim como dos quartos virados para sul, sobre a cidade e o mar, deslumbrou sempre os visitantes. Um deles, o pintor Edward John Poynter (1836-1919) (Poynter, Edward John), muito provavelmente de uma das janelas deste hotel, em 1877, executou uma excelente aguarela do Convento das Mercês (Convento das Mercês), que viria a ser demolido, sendo, por isso, o único elemento iconográfico que conhecemos desta construção religiosa. O edifício mantinha, no início do séc. XXI, toda a antiga volumetria, tendo deixado de funcionar como hotel na abertura da Primeira Guerra Mundial (I Grande Guerra) e vindo a ser adquirido pela Junta Geral (Junta Geral) para alojamento de serviços de assistência social, passando depois ao Governo regional com similares funções.

O aumento exponencial do fluxo turístico no Funchal, na penúltima década do séc. XIX, levou a família Reid a equacionar a construção de raiz uma unidade de luxo, o Reid’s New Hotel, que seria, assim, o primeiro hotel madeirense a ter sido levantado mediante um projeto de arquitetura prévio. Até então, existia uma certa informalidade na organização deste tipo de espaços, criando complicadas disfunções nos circuitos de circulação dos hóspedes e dos funcionários, não havendo, e.g., serviços de receção, pois os hóspedes ou iam já por contactos anteriores, ou eram angariados na sua chegada ao porto, ainda no navio. Os funcionários do hotel encarregavam-se das diversas formalidades, inclusivamente, do despacho da bagagem, o que não seria fácil, pois muitos dos viajantes deslocavam-se com mobiliário e com pessoal. Outro aspeto, só então planeado, foi o das instalações sanitárias, quase sempre comuns até essa data.

A família Reid contactou, para o projeto do novo hotel, o arquiteto Somers Clarke (1841-1926) (Clarke, Somers), sobrinho do também arquiteto George Somers Leigh Clarke (1822-1882), que trabalhara, em 1849, na reconstrução do palácio de Westminster. Somers Clarke encontrava-se associado, em Londres, a John Thomas Micklewaite (1843-1906), tendo ambos sido formados no ateliê de George Gilbert Scott (1811-1878), que já havia projetado unidades hoteleiras em Inglaterra. O ateliê de Somers Clarke e de J. T. Micklewaite tinha já ficado conhecido por vários projetos revivalistas góticos para igrejas e, tendo Clarke, por motivos de saúde, estado na Madeira, provavelmente num dos hotéis da cadeia Reid, acabou por ser escolhido para fazer o projeto do Funchal.

Somers Clarke deslocou-se, inclusivamente, depois à Ilha para acompanhar a construção do hotel, pelo menos no inverno de 1889, e, no ano seguinte, forneceria à conceituada revista The Buiding News, em Londres, as principais características do seu edifício, com dois blocos delimitados por torres e articulados por um corpo de varandas. Todos os quartos eram iguais e servidos por corredores internos, todos com varandas, equipados com lareira e demais comodidades da época. O novo hotel mantinha uma muito especial relação com o mar, possibilitando um fácil acesso à zona de banhos, e era previsto que viesse a ser servido por um amplo jardim. Nas informações fornecidas por Somers Clarke, parece ter havido alguma dificuldade em caracterizar estilisticamente o edifício, assunto na ordem-do-dia em Inglaterra, parecendo terem sido considerados apenas os aspetos económicos da construção e a sua opção pelos métodos de construção locais e pelos materiais habituais nos edifícios da Ilha. O êxito do novo hotel foi imediato, eclipsando toda a restante rede e, num curto espaço de tempo, seria uma das construções emblemáticas da hotelaria internacional, sendo citado como obra de referência praticamente em todas as publicações da área desde então. Para este hotel trabalhou ainda o pintor Max Römer (1878-1960), com cartazes, menus e bilhetes-postais, colaborando para a criação de um verdadeiro mito. Pelo Reid’s Palace Hotel, como já era designado, passaram algumas das mais famosas figuras europeias, entre ex-Imperadores, ex-Imperatrizes, aristocratas, governantes e ex-governantes, antigos ditadores, escritores internacionais, fotógrafos, atores de cinema, artistas, entre outros, fazendo circular a imagem do hotel por todo o mundo. Sucessiva e cuidadosamente ampliado, integrando courts de ténis, rinques de patinagem, etc., passando por vários proprietários, houve sempre a preocupação de manter o seu legado histórico-cultural e, também um arquivo histórico, tendo o seu nome incorporado sempre a inicial designação “Reid’s”.

Os hotéis alemães do Funchal

A fama da Madeira, como estância de turismo terapêutico, fora também divulgada na Alemanha pelo Dr. Kämpfer, falecido pouco antes de 1856, que esteve na Ilha entre outubro de 1841 e abril de 1842, e por Karl Mittermaier, médico especialista de Heidelberga, que se deslocara à Madeira com seu irmão, tuberculoso, em finais do verão de 1851, regressando depois, pontualmente, para o acompanhar, até 1854. Deve-se ao Dr. Mittermaier o primeiro livro em língua alemã a defender a Madeira como estância ideal para as doenças pulmonares. Em meados de novembro de 1866, o médico e zoólogo alemão Richard Greeff (1829-1892), e.g., constatou em Lisboa que, no Hotel Central, hotel muito bem situado à beira do Tejo, não só os empregados de mesa, mas também a maior parte das pessoas presentes na sala de jantar, eram alemães. Não eram, no entanto, comerciantes nem cientistas, mas sim doentes, que com os seus companheiros, e como o próprio Greeff, aguardavam embarcação para passarem o inverno na Madeira.

A Madeira encontrava-se ainda muito bem equipada para responder a este tipo de doenças. O Dr. Mittermaier mencionava a presença no Funchal de seis médicos portugueses formados em França ou em Inglaterra e de seis médicos ingleses, estando, geralmente no verão, mais alguns médicos alemães. Nessa época, estava na Madeira, e.g., o Dr. Bahr, de Rendsburgo que, após ter curado a sua tuberculose durante quatro invernos passados na Ilha, tencionava radicar-se nela, a exercer clínica. O Funchal encontrava-se também muito bem apetrechado de farmácias, assim como de hospitais, aptos a fazer face a qualquer eventualidade das doenças pulmonares. O Dr. Mittermaier, refere ainda que, por volta de 1840, raramente se encontrava um alemão, mas que, nos anos seguintes, se registara um aumento anual de quase 15 a 20 doentes, calculando que no inverno de 1853 para 1854 estivessem na Madeira mais de 40 doentes alemães.

A hegemonia dos interesses britânicos ao longo dos sécs. XIX e XX dificulta a pesquisa dos primórdios da implantação dos Alemães na Madeira. A rede de casamentos das famílias reais europeias igualmente dificulta a construção dessa perceção; assim, e.g., quando, em 1861, chegou à Madeira a Imperatriz Sissi de Áustria (1837-1898) (Áustria, Sissi de) deslocou-se num iate disponibilizado pela Rainha Vitória (1819-1901), instalando-se na Qt. Vigia (quinta vigia), onde uns anos antes tinha estado a Rainha viúva adelaide de inglaterra (1742-1849), de origem alemã. O aumento dos viajantes alemães e oriundos do centro da Europa na Madeira regista-se após a visita da Imperatriz Sissi e do seu séquito, curiosamente deslocando-se para santana, no Norte da Ilha, o que justifica também a edição de duas litografias do Funchal, do pintor e litógrafo Joseph Selleny (1824-1875), em Viena, em 1862, por Leopold Theodor Neumann (1832-1875), uma das quais com a Imperatriz frente à Sé do Funchal (Sé do Funchal) e outra, com o título Brück über den Ribeiro Seco, mas que representa a ponte junto ao fontanário do Torreão, logo a ponte do Torreão da Ribeira de Santa Luzia e não a do Ribeiro Seco (Litografias e litógrafos).

O primeiro hotel alemão, em princípio, teria sido o de M. Schlaaff, referido, em 1880, pelo tisiólogo alemão Julius Goldschmidt (c. 1840-1924), que exercera clínica na Madeira, pelo menos de 1867 a 1884, como de “primeira ordem” (WILHELM, 1993, 119), mas que já então também tinha sido adquirido pelos irmãos Reid, embora os mesmos tenham mantido à sua frente o anterior encarregado, Francisco nunes (1831-1907). Francisco nunes, um homem muito viajado e conhecedor da Cultura alemã, era igualmente fluente na língua e proprietário da Qt. nunes, na Camacha. A importância da comunidade viajante alemã levou a que os irmãos escoceses Reid mudassem a designação para German Hotel, embora localmente também fosse designado por Hortas Hotel, dado ficar localizado na R. das Hortas. Mantiveram ainda, no seu interior, uma pequena biblioteca naquela língua, à qual se refere Paul Langerhans (1847-1888) (Langerhans, Paul) no seu Handbucch für Madeira, de 1885.

O German Hotel era um imponente edifício dos finais do séc. XVIII a inícios do XIX, situado a norte da R. do Bom Jesus, entre a R. da Conceição e a das Hortas, de que se conhece fotografia, com uma frente de três pisos e de oito janelas cada, tendo o corpo sul sete janelas. A fachada apresentava ao seu nível uma forte torre-avista-navios com mais dois pisos, com duas janelas por piso, viradas para nascente, e três para sul. Tratava-se, por certo, de uma antiga residência urbana senhorial, sumariamente ampliada para hotel e sem especial qualidade arquitetónica. O German Hotel deixou de funcionar nos primeiros anos do séc. XX e, na sua área, veio a ser levantado um complexo de edifícios da Caixa de Previdência do Funchal, entre 1960 e 1970, projeto do arquiteto Raúl Chorão Ramalho (1914-2001).

Os viajantes alemães, no entanto, também frequentaram os restantes hotéis, em princípio, como teria sido o caso do grupo em que se integrou o investigador médico Carl Passavant (1854-1887), o seu amigo Wilhelm Retzer (1856-1883), o seu tutor Traugott Paulit e a família Tropenhelm, que nos inícios de 1883, saindo do porto de Hamburgo, passaram pelo Funchal com destino às colónias alemãs de África, mas chegando, pelo menos o investigador e o seu tutor, a Angola. Fizeram-se então fotografar no Funchal, por certo com outros alemães, numa fotografia de grupo perfeitamente hierarquizada e onde parece reconhecer-se Francisco nunes. O local, no entanto, não parece de forma alguma ser o German Hotel, mas os anexos do parque do Hotel da Bela Vista.

Os Hotéis do Monte

A freguesia do Monte era, desde os meados do séc. XVIII, local de veraneio das famílias abastadas do Funchal. A primeira construção de lazer foi a chamada Qt. do Prazer, levantada pelo cônsul inglês Charles Murray (c. 1730-1808) em terrenos que tinham pertencido à confraria de N.ª S.ra do Socorro da igreja do Colégio dos Jesuítas do Funchal (Igreja do Colégio) e que haviam sido doados pelos irmãos João e José Saldanha. Com a extinção da Companhia de Jesus e o confisco de todos os seus bens, essas propriedades foram compradas, em 1770, pelo comerciante Francisco Theodor e, em 1773, vendidas a Charles Murray. A Qt. do Prazer também passou a ser conhecida como Belo Monte e Belmonte, aí tendo sido recebida, e.g., a 13 de setembro de 1817, a futura Imperatriz do Brasil, a arquiduquesa leopoldina de Áustria (1797-1826), pelo comerciante inglês Robert Page (1775-1829).

Com a construção do caminho-de-ferro do Monte (Caminho-de-ferro do Monte), e especialmente com a inauguração do troço final de ligação do Funchal ao Monte, em 1894, vão proliferar os hotéis nesta freguesia. O primeiro teria sido o Hotel Bello Monte, reformulando muito pontualmente a antiga residência dos finais do séc. XVIII, de que se conhecem algumas fotografias dos últimos anos do séc. XIX ou dos primeiros anos do séc. XX. A fachada aparece com portal rematado por lintel e cornija, encimado pelo que parece poder ter sido o brasão de armas do 1.º e único visconde de Monte Belo, João de Freitas da Silva (1849-1922) (Monte Belo, visconde de). Em 1896, a quinta já funciona como hotel, registado por Hilário da Silva nunes, registo esse que se mantém até 1898, mas que, em 1900, passa a ser de William Reid, e, em 1901, de John Payne, confirmado pelo Brown’s Guide desse ano, onde aparece como proprietária deste hotel a firma John Payne & Son.

Alguma influência alemã nesta área ainda se mantinha nesses anos, sendo o Hotel Belmonte referido no guia dos irmãos Trigo, em 1910, como Deutsches Hotel Restaurant, que era “mais especialmente frequentado por alemães, sendo muito conhecido e apreciado pela sua magnífica cozinha” (TRIGO, 1910, 30). Na primeira década do séc. XX houve a tentativa alemã de entrar no mercado turístico madeirense, com investimento no caminho-de-ferro do Monte e constituição de um projeto de construção de sanatórios, hotéis e casinos, através da sociedade dos Sanatórios (sociedade dos Sanatórios e arquitetura do turismo terapêutico), que a comunidade britânica conseguiu inviabilizar. A situação de conflitualidade europeia levou ao deflagrar da Primeira Guerra Mundial e, com a entrada de Portugal no conflito, ao lado de Inglaterra, a memória da presença alemã na Madeira foi quase totalmente apagada.

Entre 1915 e 1916, José Sotero e Silva, casado com Maria Augusta de Ornelas Frazão, filha natural mas herdeira do 2.º conde da Calçada, entretanto proprietário do hotel, efetua a reconstrução do imóvel. A propriedade veio a ser adquirida por volta de 1920 pela Companhia de Caminhos de Ferro do Monte e com a reativação do caminho-de-ferro, a 1 de fevereiro desse ano, procedia-se a importantes obras, inauguradas em 1926, como Grande Hotel Bello Monte, com uma zona de serviços a montante, um grande bloco central edificado e ainda uma casinha de prazer para Sul, rematando o jardim. A Segunda Guerra Mundial (II Grande Guerra) levaria ao encerramento do Grande Hotel e à extinção da Companhia em 1943 e, em 1958, instalava-se aí o Colégio Infante D. Henrique dos sacerdotes italianos do Sagrado Coração de Jesus. O edifício reflete o gosto que nas primeiras décadas do séc. XX inspira a maioria das restantes construções da freguesia do Monte, com três pisos e um andar de águas furtadas, grandes varandas a percorrer as fachadas ao longo dos dois pisos inferiores e as coberturas por empenas agudas, ressalvadas por decorações ao gosto dos lambrequins, genericamente designadas por chalés alpinos, gosto que proliferou então por toda a Europa.

Em 1901, também o Brown’s Guide anunciava o Reid’s Mount Park Hotel, que, pelas fotografias que dele conhecemos, não passava de uma simples residência tradicional madeirense sumariamente dotada de alpendre para um pequeno bar exterior. Pelo contrário, algumas residências levantadas de raiz nos últimos anos do séc. XIX, como a do comerciante Alfredo Guilherme Rodrigues (1862-1942), a partir de 1897, data em que adquiriu a parte sul da antiga Qt. do Prazer, ganharam um espírito totalmente diferente. Alfredo Guilherme Rodrigues ter-se-ia inspirado nos palacetes que observara nas margens do Reno, numa viagem à Alemanha que fizera poucos anos antes, construindo um dos mais emblemáticos edifícios da freguesia, com a cobertura muito inclinada e rematada por pináculos, que, aliada às altas chaminés, ainda aumentava mais a elegância e verticalidade da construção. O edifício assenta numa larga plataforma com uma fantástica vista sobre a cidade do Funchal, articulando-se ainda com outra varanda adossada ao corpo principal e assente em arcaria. Os jardins dispõem-se em socalcos e possuem uma das mais românticas lagoas da Madeira, inclusivamente dotada de um fontanário inspirado num baluarte redondo militar. Em 1904 já estava adaptado a hotel, o então Monte Palace Hotel, e nos anos seguintes seria uma das imagens mais divulgadas da Madeira.

O Monte Palace Hotel era muito procurado por estrangeiros na déc. de 20, assim como o local ideal de casamentos e outras festas, tendo ali ficado instalado António de Oliveira Salazar (1889-1970) (Salazar, António de Oliveira) na sua visita à Madeira, em abril de 1925, quando, juntamente com Mário de Figueiredo (1890-1969), e a convite de elementos do Centro Católico, foi apresentar as suas ideias de Governo para Portugal. O local tinha-se tornado igualmente lendário com as festas da Escola Laical de O Vintém (Escola Laical), entrando em dificuldades no final da déc. de 40, face à Segunda Guerra Mundial e às partilhas entre os herdeiros. Ainda veio a ser adquirido pela Companhia de Caminhos de Ferro do Monte, em 1957, numa efémera tentativa de relançamento da Companhia. Somente nos finais da déc. de 80 é que o edifício viria a adquirir o seu anterior esplendor, com a aquisição por Joe Berardo (1944-), para doação à fundação que tem o seu nome, tendo-se os seus jardins tornado igualmente um dos cartazes turísticos mais importantes da freguesia.

Com o prolongamento da linha do caminho de ferro, em 1910, até ao Terreiro da Luta, a Companhia ali levantou, também, um Restaurante Esplanada, num local que, pela sua situação, se tornou igualmente emblemático, sendo internacionalmente divulgado, em especial através das reproduções das aguarelas do pintor Max Römer. O edifício não se afasta dos padrões de gosto dos chalés europeus dos inícios do século, embora de um só piso aparente, sendo equipado para nascente com uma torre ao gosto dos castelos medievais, encimada por ameias e merlões, de profundo sentido romântico. Foi dos poucos edifícios que conseguiu resistir às alterações de gosto e de mercado, ainda funcionando como restaurante e esplanada nos começos do séc. XXI. O mesmo não aconteceu com o enorme chalé do banqueiro Manuel Gonçalves (1867-1919) (Gonçalves, Manuel), o polémico homem forte dos interesses alemães na Madeira. O edifício inspira-se nos castelos medievais do Norte da Europa e é coroado por uma interessante torre com coruchéu sextavado de idêntica inspiração, sendo a fachada, virada para sul, totalmente percorrida por uma varanda corrida, tanto no piso térreo como no superior. O banqueiro faleceu neste chalé que, pouco tempo depois, foi adaptado a The Mount Royal Hotel, assim vindo publicitado no Power’s Guide de 1930.

O início da época dos Grandes Hotéis

O espaço entre as duas guerras mundiais marca já um volume exponencial do tráfego marítimo e a correspondente necessidade de aumento da capacidade hoteleira da área do Funchal. Assiste-se então a sucessivas ampliações dos anteriores edifícios e a uma progressiva apropriação da orla marítima pelas principais unidades hoteleiras, aspeto que, uns anos antes, já era patente na construção de raiz do New Reid’s Hotel, mesmo antes de passar a Reid’s Palace Hotel, o que também foi quase imediato. A cidade do Funchal vai expandir-se para poente, tendência geral das grandes cidades europeias, numa apropriação dos espaços de fim de tarde como horário privilegiado de lazer. As acessibilidades tinham começado com a construção da Est. Monumental, unindo a cidade do Funchal a Câmara de Lobos, o que obrigara à construção de uma série de pontes sobre as inúmeras ribeiras existentes e junto das quais iriam nascer as principais unidades hoteleiras.

Em 1898, a fazer fé no Power’s Guide de 1914, foi estabelecido a Este da foz do Ribeiro Seco o Atlantic Hotel, ampliado em 1913. A edificação original não se afastava das anteriores quintas de aluguer, mas a reconstrução desse último ano já apresentava um andar nobre com varanda corrida para Sul e um andar superior em mansarda. Possuía ainda corpos adossados, sendo o corpo para poente dotado de terraço, e incorporava na área duas ou três residências preexistentes. Já possuía, assim, um importante jardim com terraço com vista sobre o porto e, em breve, apropriar-se-ia da praia, construindo aí instalações balneárias, divulgadas através das aguarelas promocionais de Max Römer, embora o edifício representado – dadas as fotografias que conhecemos – em princípio não fosse o do Atlantic Hotel.

Em julho de 1936, entrava na Câmara Municipal do Funchal um projeto de ampliação, da autoria do arquiteto Edmundo Tavares (1892- 1983) (Tavares, Edmundo), que no ano anterior executara um projeto semelhante para o vizinho Savoy Hotel. O projeto não alterava a volumetria, limitando-se a reformular a entrada, dotando-a de um pórtico neoclássico exterior; no interior, criava um átrio de entrada com receção, que não existia. Por 1970, o conjunto seria totalmente demolido e, no seu local, levantado um importante edifício, então entregue à cadeia internacional Sheraton, inaugurado a 20 de novembro de 1972. O conjunto foi ainda prolongado pouco depois, descendo ao longo da falésia com novos apartamentos e piscinas e, alguns anos depois, foi adquirido pelo Grupo Pestana, que nele instalou o Pestana Carlton Hotel.

Muito próximo e para nascente da margem do Ribeiro Seco, pelas últimas décadas do séc. XX, era construído o Royal Hotel, ainda dentro da tradição do turismo terapêutico, constituído por 2 corpos e uma torre central, sendo o 1.º andar totalmente preenchido por uma varanda de repouso, que recorria a uma armação estrutural de ferro fundido. O edifício parece ter recorrido a uma residência anterior, sendo a entrada no 1.º andar ladeada por dois óculos de cantaria aparente, dentro da tradição local. A entrada efetuava-se pela R. Imperatriz D. Amélia e, nos seus jardins, contava também com um court de ténis. No final da última década do séc. XIX foi adquirido por José Dias do Nascimento (1868-1934), passando a designar-se Savoy Hotel e, em 1912, já tinha 24 quartos. Nos meados da déc. de 20 do séc. XX , seria totalmente demolido, levantando-se no seu local uma enorme estrutura, para a época, com uma fachada voltada para sul de cinco pisos e integrando ainda duas torres de mais dois pisos. Em 1928, abria, assim, com 220 camas, tendo o espaço até à R. Imperatriz D. Amélia sido de novo ajardinado. Em abril de 1935, entrava na Câmara Municipal do Funchal um projeto de ampliação, da autoria do arquiteto Edmundo Tavares, mas que não alterava significativamente o que estava construído e que se limitava à construção de um anexo para salão de jantar.

Cerca de 10 anos depois, à semelhança do Reid’s Palace Hotel e Atlantic Hotel, o Savoy Hotel conseguiria também acesso ao mar, construindo uma nova estrutura na falésia, então independente do edifício principal, que chegou a ter a designação de Savoy Hotel Lido. As instalações balneárias do Savoy Hotel não pararam de crescer e, na déc. de 60, o edifício principal seria parcialmente demolido, construindo-se, no mesmo local, um dos maiores hotéis da cidade, que, em 1970, abria com 750 camas. O edifício tinha já entrada pela nova Av. do Infante e apresentava oito pisos em dois blocos compactos, rematados no piso superior por um restaurante panorâmico e uma boîte. Em 2002, a área das piscinas reformulava-se como Royal Savoy, num mega projeto de luxo, e o edifício superior dos finais da déc. de 60 era objeto de idêntico mega projeto, sendo demolido em 2011, mas acabando o projeto por ficar pelas fundações. Em 2013, um dos herdeiros do fundador e dos últimos gestores desta unidade hoteleira, António Drumond Borges, editou uma coleção de memórias destes três emblemáticos hotéis madeirenses.

Alguns pequenos hotéis foram resistindo à concentração nas grandes cadeias, mantendo-se quase privados, como ocorreu com o Hotel da Bela Vista, situado atrás do Hospício da Princesa D. Maria Amélia e com acesso pela R. do Jasmineiro, que foi crescendo nos últimos anos do séc. XIX. O hotel teve por base uma residência dos meados do séc. XIX, com um bom parque envolvente e uma situação invejável que lhe deu o nome de Bela Vista ou Bella Vista. Este hotel é mencionado no guia de Paul Langerhans, em 1885, como Falkner’s Private Hotel, embora, entre 1891 e 1901, esteja registado em nome de Eugénio Jones. A construção da aparatosa e enorme varanda de repouso deverá ter sido feita pouco depois, ocupando o espaço que foi depois a sala de jantar do Seminário Diocesano, entidade que viria a ocupar o imóvel. Este hotel deveria ter gozado de uma certa independência em relação às estruturas turísticas e deveria ter captado uma especial clientela, pois é, porventura, uma das unidades turísticas mais fotografadas nos finais do séc. XIX e nos inícios do séc. XX, especialmente a base das escadas de acesso ao jardim, onde os vários turistas aparecem fotografados em redes e em carro de bois.

Com a expansão da cidade para poente, a construção do complexo desportivo do Lido (Complexo desportivo do Lido), do Clube Naval (Clube Naval) e do Clube de turismo (Clube de turismo), entre outros, ainda na déc. de 30 do séc. XX , surgia no caminho velho da Ajuda, mais um hotel, o New English Hotel, adaptando uma anterior residência ao modelo dos velhos hotéis do turismo terapêutico, com a justaposição à fachada de um corpo de varandas apoiado em colunas de ferro forjado, a que se acrescentou, para poente, idêntico corpo mais pequeno. O esquema repetia quase o do inicial Royal Hotel, que tinha dado origem ao Savoy Hotel, transformando somente em torre aparente a anterior janela de mansarda, num esquema tradicionalista e já perfeitamente retrógrado para a época. Nos finais do século, o edifício viria a ser adaptado para sede da Fundação Cecília Zino (Fundação Cecília Zino).

A construção do aeroporto e o aumento do porto

Os meados do séc. XX foram marcados, na Madeira, pela emergência do grande turismo internacional, com a montagem da primeira empresa privada britânica de transporte aéreo a operar um serviço internacional regular, em 1949, com os chamados “barcos voadores” da Aquila Airways (Aquila Airways), a que se seguiu a ampliação do porto do Funchal (Porto do Funchal), então capaz de receber, com cais de acostagem, os grandes paquetes internacionais e, na déc. de 60, a construção do aeroporto do porto santo e, mais tarde, do aeroporto de Santa Catarina, em Santa Cruz, na Madeira, sucessivamente Aeroporto da Madeira e Aeroporto Cristiano Ronaldo (Aeroportos).

A adaptação, evidentemente, não foi imediata, voltando-se, para o efeito, a reformular anteriores residências, como foi o caso da inicial residência levantada por Salomão da Veiga França (1893-1961), na Est. Monumental, que já aparece no Power’s Guide de 1930 como Miramar Hotel. O Miramar Hotel foi objeto, em julho de 1938, de um projeto de ampliação, da autoria do arquiteto Edmundo Tavares, que alterou significativamente a volumetria, acrescentando um amplo corpo de dois pisos para poente, tendo sido utilizado para apoio às tripulações da Aquila Airways, tal como, na Segunda Guerra Mundial já tinha sido utilizado para a comunidade refugiada britânica de Gibraltar (Gibraltinas). Este antigo hotel, profundamente ampliado e reinterpretado, deu origem, em 1990, ao Pestana Miramar Hotel.

Idêntico percurso teve a antiga residência de Francisco Conceição Rodrigues, que fora diretor do Diário de Notícias, junto da ponte do Ribeiro Seco, na R. do Favila, cuja construção foi interrompida em 1927 com a saída do proprietário do Funchal. O edifício de dois pisos, com uma ampla varanda corrida ao longo da fachada, viria a albergar o Casino Monumental, assim chamado dada a proximidade da Est. Monumental e, ainda na déc. de 30, seria ampliado para poente com mais dois pisos, dando origem, na déc. de 40, ao Hotel Nova Avenida, ou New Avenue Hotel, em homenagem à ampliação da Av. do Infante. Sem especiais alterações, nos finais do século, viria a albergar o Conservatório e Escola Profissional das Artes Engº Luiz Peter Clode.

As décs. de 50 e 60 abriram perspetivas totalmente novas à Madeira, com as novas ligações aéreas da Aquila Airways, que a 1 de janeiro de 1950 trouxeram à Madeira o chefe do partido conservador inglês, sir Winston Leonard Spencer Churchill (1874-1965), que se instalou no Reid’s Palace Hotel, onde permaneceu 11 dias, embora regressando a Londres de navio; tal como, no final do ano seguinte, a jovem Margaret Thatcher (1925-2013) que, em lua de mel, se hospedou no Savoy Hotel. O novo ciclo económico, especialmente vocacionado para o turismo, é patente, e.g., na diversificação dos investimentos da Casa Hinton, essencialmente vocacionada para a moagem, que, ao longo desses anos, diminui a atividade, passando a Fábrica do Torreão a funcionar sazonalmente. O comendador Harry Hinton (1857-1948) (Hinton, Harry) falece a 16 de abril de 1948 e, num curto espaço de dois anos e pouco, o herdeiro, George Welsh (1895-1981), investe igualmente na indústria hoteleira, abrindo o Hotel Santa Isabel, junto ao Savoy, na Av. do Infante, em frente ao então recente Hotel Nova Avenida, pouco depois ampliado e pronto para a abertura no outono de 1960.

Em termos de política económica nacional, a déc. de 50 iniciou-se com o I Plano de Fomento (1953-1958) que, entre vários objetivos, apontava para um plano de realizações no campo da agricultura, privilegiando a colonização interna e tentando assim fixar as populações no campo, de onde cada vez mais fugiam. Tal como no continente, o plano, na Madeira, era essencialmente direcionado para o aproveitamento hidroelétrico e para os aspetos gerais dos transportes, onde o país apresentava um franco atraso. O projeto vinha da Lei de Reconstituição Económica de 1935 e deu origem, na Madeira, à reformulação do sistema de levadas (levadas) e ao seu aproveitamento para o fornecimento de energia elétrica à cidade do Funchal e ao respetivo parque hoteleiro. A cidade expandiu-se, então, decididamente para poente, sendo na área do Lido que vão surgir progressivamente novos hotéis, cuja construção, ao longo da déc. de 60, chega quase à praia Formosa, com o Hotel Madeira Palácio, em cujo capital chega a participar a TAP, transportadora aérea portuguesa.

Com a abertura do aeroporto de Santa Catarina, inaugurado a 8 de julho de 1964, a empresária Fernanda Pires da Silva (n. 1926), presidente do Grupo Grão-Pará, iniciou os trabalhos para a montagem na área do complexo turístico da Matur, em Água de Pena (1972-1999). A 20 de novembro de 1972 eram assim inaugurados os grandes hotéis construídos de raiz na época, a saber, o Sheraton, no Funchal, onde se havia levantado o antigo Hotel Atlântico, e o Atlantis Holiday Inn, junto ao aeroporto, como os restantes hotéis dessa cadeia internacional. Para a inauguração, deslocou-se, mais uma vez, à Madeira, o chefe de Estado, Alm. Américo Thomaz (1894-1987), que ainda inauguraria o bairro social do Grémio dos Bordados (Grémio dos Bordados), acima da Qt. do Til, no Funchal.

O complexo da Matur representava uma inovação no contexto da hotelaria insular, afastando-se do Funchal algumas dezenas de quilómetros. Era filosofia da cadeia hoteleira Holiday Inn, com a qual o Grupo Grão Pará trabalhava, procurar novos espaços e localizar-se nas imediações de aeroportos, permitindo uma rápida instalação dos utentes e, igualmente, uma rápida saída. O complexo possuía outro aspeto mais ou menos inovador à época, que era a articulação com pequenos apartamentos de férias, independentes da unidade hoteleira-mãe, o que, na área do Lido, no Funchal, igualmente se ensaiava com os apartotel. A Matur encontrava-se dotada também de um amplo parque ajardinado, com instalações para congressos, clube de bridge, restaurantes, piscina olímpica, etc. As alterações do mercado turístico, nos anos seguintes, colocaram em causa o projeto e a ampliação do aeroporto levou à necessidade de demolição do Atlantis, que, com os seus 17 pisos, levantava questões de segurança ao tráfico aéreo, o que veio a acontecer, por implosão, a 22 de março de 2000.

A grande obra de arquitetura desta época foi o complexo do Casino Parque Hotel (Casino Parque Hotel), posteriormente Pestana Casino Park, projetado sumariamente pelo arquiteto brasileiro Óscar Niemeyer (1907-2012), em 1966, e executado pelo arquiteto português Alfredo Viana de Lima (1913-1991) que, tal como Niemeyer, fora discípulo do arquiteto francês Charles-Edouard Jeanneret-Gris, mais conhecido como “Le Corbusier” (1887-1965). A atuação de Niemeyer foi muito limitada, não passando de esquiço e, depois, de um anteprojeto na escala de 1:500, tendo o desenho definitivo, de 1970, os detalhes e o acompanhamento sido feitos pelo arquiteto português. Teria havido, inclusivamente, divergências ao longo da execução do projeto, e.g. em relação a parte da estrutura ficar assente em pilares, uma vez que o Casino Parque Hotel era construído nos terrenos da antiga Qt. Vigia, que eram terrenos públicos, tendo Viana de Lima sido inflexível no respeito do anteprojeto, enquanto Niemeyer, então em Paris, chegara a condescender. O resultado é uma obra-prima de desenho e de arquitetura brutalista dessa época, acrescida ainda da participação, no desenho da arquitetura de interiores, do arquiteto Daciano Costa (1930-2005).

Uma das poucas características da arquitetura do turismo de lazer na Madeira parece ser a sua muito especial relação com a paisagem envolvente, através da contínua criação de possibilidades múltiplas de observação e de usufruto da mesma, através de miradouros. Nos inícios do séc. XX, quando o arquiteto ventura terra elabora o seu plano de urbanismo para o Funchal, o acesso e a construção de miradouros foi uma das diretivas mais expressas. Nos anos seguintes, estas estruturas situadas nas encostas da cidade serão uma das prioridades camarárias, e, a partir da déc. de 40, uma das preocupações da Delegação de turismo da Madeira (Delegação de turismo da Madeira).

O domínio quase absoluto do turismo de origem britânica e dos empresários dessa nacionalidade levou a que a arquitetura do turismo de lazer, na Madeira, não ganhasse características especialmente locais, embora utilizando mão de obra local e um saber artesanal ancestral, que informara de uma forma geral a arquitetura insular como uma arquitetura sem arquitetos. Os modelos vão ser, assim, importados, como os chalés do norte e centro da Europa e, depois, os modelos internacionais ensaiados nos grandes centros turísticos internacionais. Nem o recurso a arquitetos de gosto nacionalista, como o caso de Edmundo Tavares, que fez pelo menos três projetos de reforma em hotéis nos meados da déc. de 30 do séc. XX, permitiu criar alguma coisa que lembrasse muito especialmente esse tipo de gosto, até por estar a trabalhar para uma clientela internacional.

Nas décadas seguintes, e dada a circulação exponencial dos modelos internacionais, também serão esses a ser levantados na Madeira, tendo sempre em vista que o turista só muito raramente poderia ser nacional. Acresce que, sendo o mercado turístico altamente competitivo e sujeito às constantes alterações do gosto internacional, a tendência para a constante reformulação dos edifícios e dos seus equipamentos leva à eliminação de quase todas as preexistências em nome da novidade e do moderno. Mesmo em casos de indiscutível e internacional qualidade, como o do Reid’s Palace Hotel e do Casino Park Hotel, a tendência e a necessidade de inovação representam sempre um alto risco para o património arquitetónico edificado e, mais ainda, para a arquitetura de interiores.

O desenvolvimento da cidade para poente, como acontece nas principais congéneres portuárias do Sul da Europa, levou à criação de uma zona de lazer especialmente vocacionada para parque hoteleiro, a área do Lido, a par de uma zona de montanha, a freguesia do Monte. No entanto, se a zona do Lido preservaria essas características, embora mesclada de parque habitacional, tal parece, de certa forma, ter-se gorado no Monte. A construção de acessibilidades múltiplas e, especialmente, a construção do teleférico, associada a uma cada vez mais rápida passagem do turista, tem dificultado a manutenção, no Monte, de determinado tipo de serviços, tais como a restauração e o alojamento, face à sua pouca rentabilidade.

A passagem do séc. XX para o séc. XXI apresentou alguns aspetos inovadores, com uma nova apetência de alguns segmentos do turismo nacional e internacional para outros tipos de lazer, fora das grandes cidades e com outro género de ocupação do tempo. Tal permitiu a execução de projetos arquitetónicos de raiz muito inovadores, tal como a reabilitação de antigas quintas e propriedades rurais, que se afastam profundamente dos pressupostos gerais que nortearam o turismo ao longo da segunda metade do séc. XX, especialmente o de massas.

 

 

Rui Carita

(atualizado 14.12.2016)

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